CONSELHO AOS GOVERNANTES
No
ano de 2006, tive acesso a um livro da coleção Edições do Senado Federal,
Volume 15, intitulado CONSELHO AOS GOVERNANTES. Este livro reúne textos escritos
por grandes pensadores de nossa história, no intuito de educarem os chefes de
governo de suas épocas, nele temos textos de Platão, Maquiavel, Mazarino,
Maurício de Nassau, Marquês de Pombal, dentre outros homens que contribuíram e,
ainda contribuem, com preciosos saberes.
Dentre
todos os textos lidos, um em especial me chamou a atenção, é a carta que
Isócrates enviou a Nicoclés, o então rei de Salamina, na ilha de Chipre.
Transcrevo sempre em meus materiais promocionais, um resumo com as passagens
que eu julgo mais importantes deste texto a serem transmitidas aos meus
clientes e, também, a qualquer um que se inicie na vida política.
Resumo
do texto de Isócrates:
Isócrates-nascido
em 436 a .C.
e falecido em 338 a .C.-
enviou a Nicoclés, rei de Salamina, na ilha de Chipre, recomendações para que o novo governante
tivesse sabedoria em seu governo:
“...1. Um rei deve saber julgar de maneira
original, não medindo o valor dos homens e das coisas pela comodidade que lhe
oferecem, mas pela sua utilidade...
2.
Todos concordarão, creio eu, em que o primeiro dever dos reis, quando a sua
pátria é infeliz, é remediar os seus males; quando é próspera, mantê-la na
prosperidade; quando é fraca, torna-la potente.
3.
Administre o seu reino como se administrasse a herança recebida do seu pai.
Seja magnífico e régio em todas as suas disposições...
4.
Creia que a grandeza de alma não está nos homens que empreendem mais do que
podem executar, mas naqueles que, perseguindo com ardor o que é nobre e grande,
podem executar o que empreendem.
5.
Considere os mais fiéis amigos, não aqueles que aprovam todas as suas palavras
e elogiam todas as suas ações, mas sim os que censuram os seus erros.
6.
Prefira deixar aos seus filhos um nome glorioso do que grandes riquezas. As
riquezas são perecíveis, a glória é imortal. As riquezas podem ser adquiridas
pela glória, a glória não se compra com riquezas...
7.
Ao escolher quem deva encarregar-se de negócios que não administra
pessoalmente, nunca perca de vista que você é quem arcará com a
responsabilidade dos seus atos.
8.
Em todas as suas ações, lembre que você é rei e tenha todo o cuidado para não
fazer nada que seja indigno dessa posição suprema...”
Aos
que gostaram do resumo, trago abaixo o texto em sua íntegra. É um convite a
reflexão do verdadeiro papel dos gestores públicos, estejam eles na esfera
Legislativa, Executiva ou Judiciária!
ISÓCRATES
A
Nicoclés
Tradução
do francês de
Jean-François
cleaver
Isócrates
Isócrates –
nascido em 436 a .C.
e falecido em 338 a .C.
– fora amigo de euágoras, rei de Salamina, na ilha de Chipre.
Com a morte deste,
subiu ao trono seu filho, Nicoclés.
Isócrates
enviou, então, ao novo soberano, que havia sido seu aluno, recomendações, e o
fez anotam os analistas, sem antes formular as lisonjas autorizadas ou, até,
impostas pelo costume a quem se dirigiam a governante. Agiu assim por sua
independência de caráter, por uma grande estima a Nicoclés ou por se julgar com
permissão dada sua condição de antigo mestre.
O aluno,
agradecido, enviou-lhe sessenta talentos de ouro.
Introdução
1.
Caráter
deste discurso, que se destina a ministrar preceitos sobre os deveres dos reis,
e vantagem de tal presente em relação àqueles que se costuma oferecer. Os
homens de condição privada têm numerosas oportunidades de aprender sobre seus deveres.
Os reis, que exercem a mais difícil missão na terra, não têm praticamente
nenhuma oportunidade de fazer o mesmo. Por isso, os reis, que poderiam ser os
homens mais felizes, levam vida extremamente atribulada, sendo completamente errôneo
o juízo da multidão sobre as suas condições de vida.
2.
É
tarefa louvável ensinar o que devem procurar ou repudiar os reis em geral,
ainda quando a execução seja pálida reflexa do escopo.
3.
Preceito,
primeiro objeta a que devem aspirar aos reis, que é como a fonte dos seus
deveres.
4.
Para
alcançar esse objeto, o rei deve tornar-se superior aos outros, cultivando o
seu espírito e convivendo com homens destacados pela sabedoria.
5.
Os
reis devem amar o seu povo, protege-lo, mantê-lo no dever, honrar os homens
virtuosos, defender os cidadãos de qualquer ofensa.
6.
Regulamentos,
institutos, leis, negociações, processos, juízos; regras de administração do Estado.
Objetos nos quais devem manifestar-se a magnificência dos reis. Maneiras pelas
quais se devem honrar os deuses.
7.
Os
homens a que convém prestigiar. A guarda mais segura para os reis. As riquezas
dos particulares devem ser protegidas. O zelo pela verdade. A conduta para com
os estrangeiros. A clemência com os cidadãos. Quando, e de que maneira, convém
fazer guerra; moderação e isenção.
8.
Escolha
dos amigos e dos homens que privam com os príncipes, escolha dos magistrados e
ministros. Há que ouvir o que os homens dizem uns dos outros, punir os
caluniadores e saber mandar em si mesmo.
9. As ocupações de
que devem gostar os reis. Coisas nas quais devem esforçar-se por chegar à
superioridade. Honras que devem ser buscadas. Tendências que devem ser
dissimuladas. Inclinações que devem ser reveladas. A moderação dos reis é
exemplo para os cidadãos. Caracteres pelos quais se reconhece um bom
governante. Há que deixar de herança, para os filhos, glória antes que
riquezas. Magnificência no vestir. Severidade nos hábitos de vida. Continência
no falar e nos atos. Moderação que deve ser observada em todas as coisas.
10.
Urbanidade
com gravidade. Tipo de estudo que os reis devem preferir. Maneiras mais conveniente
de ilustrar-se.
11.
A
superioridade do espírito sobrepõe-se à beleza do corpo. Os reis devem praticar
o que aprovam, o que consideram digno de emulação, o que prescrevem aos seus
filhos. Quem são aqueles que podem ser considerados sábios.
12.
Epílogo.
Em preceitos desta natureza, o que se procura não é tanto apresentar
ensinamentos novos como reunir, de toda parte, o maior numero possível de
ensinamentos, para oferecê-los sob forma capaz de agradar. Há conselhos que são
úteis, mas não agradam a quem os recebe.
13.
Esse
fato decorre da perversidade dos homens, que desejam o que lhes traz prejuízo e
têm aversão ao que lhes é útil. Disso resulta que aquele que deseja agradar à
multidão deve, como Homero, oferece-lhe fábulas e converte-las em ação, como
fizeram os poetas trágicos.
14.
Um
rei deve saber julgar de maneira original, não medindo o valor dos homens e das
coisas pela comodidade que lhe oferecem, mas pela sua utilidade. Os homens
devem ser estimados, antes de tudo, pela prudência e oportunidade dos seus
conselhos. Um conselheiro sábio deve ser preferido a qualquer outro bem.
15.
Este
presente é diferente dos outros, na medida em que ganha mais valor com o uso,
em vez de desgastar-se. [Lange]
II
1. Nicoclés,
aqueles que soem trazer-lhe, bem como os outros reis, ricos tecidos, bronze,
ouro lavrado com arte e outros objetos da mesma natureza, raros em sua casa e
abundantes na sua, estão evidentemente traficando, e não presenteando-o, pois
na realidade estão vendendo aquilo que lhe oferecem com muito mais habilidade que
os homens abertamente dedicados ao comércio. Quanto a mim, pensei que, se eu
pudesse definir corretamente os deveres de que deve cuidar e os atos de que
deve abster-se para governar sabiamente Salamis e seu reino, estaria dando-lhe
a prenda mais bela, mais útil, a que mais convém eu oferecer e você aceitar.
Muitas coisas contribuem para educação
dos simples particulares, em primeiro lugar, uma vida isenta de moleza e
sensualidade e a obrigação de prover as necessidades cotidianas; em segundo
lugar, as leis que a todos nos governam, a liberdade que têm os amigos de dirigirem-se
reparos e os inimigos de acusar-se pelas suas respectivas faltas; por fim, os
preceitos relativos à condução da vida, deixados por alguns dos antigos poetas:
coisas essas em que os particulares encontram naturalmente meios de
aprimorar-se. Já os reis não contam com os mesmos recursos, eles que, mais do
que os outros homens, precisariam de aviso, vêem-se privados desses tão logo
sentam no trono. A maioria dos homens fica distante deles; os que deles privam só
se aproximam para lisonjeá-los; e, transformados em donos das mais fartas
riquezas e árbitros dos maiores interesses, fazem tão mau uso desses meios de
poder que muitos se perguntam se não se deve preferir, à existência dos reis,
uma condição vulgar e uma vida ilibada. Sem dúvida, atentando somente para as
honras, as riquezas, a autoridade, todos os homens iguais a deuses aqueles que
foram investidos da potência soberana; quando, entretanto, considerarmos os
seus receios, os perigos que correm e, lembrando o passado, os vemos ora sendo
atacados por quem menos deveria ameaçar a sua vida, ora obrigados a punir os
seus entes mais amados, ora condenados a ambas as desgraças, somos levados a
pensar que a mais modesta existência é preferível ao domínio de toda a Ásia,
acompanhado de tamanhas calamidades.
A causa dessa desordem, dessa confusão,
reside na opinião, muito comum, que a realeza é igual às funções sagradas, que
qualquer homem é capaz de exercer, quando na verdade a realeza é a mais alta de
todas as funções, a que requer mais sabedoria humana.
2. Apresentar-lhe sobre a condução de cada
negócio, para que o leve a diante com prudência, garanta o seu êxito e previna
as suas conseqüências nefastas, é dever dos homens que soem estar no seu lado.
Quanto a mim, tentarei indicar-lhe no geral as virtudes para as quais deverá
tender ao longo de sua vida e os cuidados que devem ocupá-lo. Será o trabalho
que quero oferecer-lhe digno da grandeza do tema, uma vez concluído? Eis algo
difícil de enxergar desde o início. Muitas obras, em versos ou em prosa, que
tinham suscitado altas esperanças quando só existiam no pensamento do seu
autor, só obtiveram, uma vez acabadas e dadas à luz, fama muito inferior à
esperada. Mas, de qualquer maneira, é empresa honrosa procurar lançar luz sobre
verdades pouco lembradas e estabelecer princípios úteis para o governo das
monarquias. Os homens que instruem os simples particulares são úteis apenas aos
que recebem os seus conselhos; o homem que pudesse levar os chefes das nações à
virtude seria útil aos príncipes, que comandam, e aos povos que obedecem,
tornando assim o poder mais seguro, para uns, e mais ameno o governo, para
outros.
3. É preciso considerarmos, inicialmente, o que
é o dever dos reis, pois se assentarmos bem, em poucas palavras, aquilo reside
a potência da realeza, sem perdermos de vista este ponto, desenvolveremos
melhor as diversas partes do nosso tema.
Todos concordarão, creio eu, em que
o primeiro dever dos reis, quando a sua pátria é infeliz, é remediar os seus
males; quando é próspera, mantê-la na prosperidade; quando é fraca, torna-la
potente. A ação cotidiana do governo deveria ter esses escopos; é evidente que
os que receberam tamanha potência e devem decidir de tamanhos interesses não
devem abandonar-se à moleza e ao ócio, mas sim zelar por que ninguém os supere
em sabedoria; com efeito, é inegável que a prosperidade de seu reino terá a
mesma medida que a sua habilidade. Por isso, os atletas têm menos interesse em
fortificar o corpo do que têm os reis em desenvolver as faculdades da alma, e
os prêmios oferecidos em nossas solenidades, não são nada, quando comparados
com os que você procura conquistar diariamente.
4. Compenetrado dessas
verdades, dedique a sua força de espírito a colocar-se, pelas suas virtudes,
acima dos outros homens, tanto quanto os supera pela posição; e não creia que o
cuidado e a aplicação, tão valiosos em todas as outras situações da vida, nada
possam para tornarmos melhores e mais sábios. Não condene à humanidade a desgraça
tal que, havendo já encontrado meios de amansar os instintos dos animais e
ampliar a sua inteligência, não tenhamos influência suficiente sobre nós mesmos
para aprender a virtude. Ao contrário, convença-se de que os cuidados e a
educação têm grande poder para aprimorar a nossa natureza. Chegue-se aos homens
mais sábios entre os que o rodeiam; convide a entrar os que você puder atrair e
não tolere desconhecer qualquer um dos poetas célebres ou dos filósofos
estimados. Seja ouvinte daqueles, seja discípulo destes; prepare-se para ser o
juiz dos menos habilidosos e o rival dos mais esclarecidos. Com a ajuda de tais
exercícios, logo se tornará tudo o que deve ser, em nossa opinião, um rei
destinado a reinar com justiça e governar com sabedoria. Encontrará em si
poderoso motivo de emulação, se julgar contrário à razão o fato de o mal reinar
sobre o homem de bem e o insensato mandar no sábio; e você terá tanto mais zelo
em exercer a sua inteligência quanto mais desprezo sentir pela incapacidade dos
outros.
5. Por aí devem começar os que se destinam a
governar bem; além disso, devem ser amigos da humanidade e amigos da sua
pátria. Os homens, os cavalos, os cães, os seres de toda natureza não podem ser
dirigidos a contento se a afeição não preside aos cuidados de que são objeto.
Por isso, dedique-se ao povo e, sobretudo, a fazê-lo gostar da sua autoridade,
convicto de que, entre todos os governos, sejam eles oligárquicos ou de outra
natureza, os mais duradouros são os que melhor sabem resguardar os interesses
do povo. Você exercerá ao povo nobre e útil influência se não permitir que
insulte qualquer pessoa, nem que seja insultado; e se, reservando sempre as
honras aos mais dignos, cuidar de proteger os outros cidadãos contra a
injustiça. Esses são os primeiros princípios, os princípios mais essenciais do
bom governo. Elimine e modifique as leis e costumes viciosos; empenhe-se,
sobretudo, em descobrir as leis mais convenientes para o seu país ou, pelo
menos, imite as de outros povos que sejam reconhecidamente boas.
6. Procure leis que sejam globalmente justas e
úteis, leis que se acordem entre si, leis tais que os processos escasseiem e
sejam prontamente dedicados. As leis, para serem boas, devem satisfazer todas
essas condições. Faça com que as transações sejam vantajosas e prejudiciais os
processos, de sorte que os cidadãos evitem estes e corram para aquelas. Nos
diferendos surgidos entre particulares, dê sentenças que não sejam ditadas pelo
favorecimento, nem contraditórias entre si, e decida sempre da mesma maneira em
casos semelhantes. Interessa tanto à utilidade pública quanto à dignidade real
serem imutáveis as sentenças do rei e sabiamente feitas às leis.
Administre o seu reino como se
administrasse a herança recebida do seu pai. Seja magnífico e régio em todas as
suas disposições e tenha cuidado e rigor em arrecadarem impostos, para brilhar
sobre maneira e poder arcar com todas as suas despesas. Nunca exteriorize a sua
magnificência em profusões efêmeras, mas sim nas coisas que lhe apontamos, na
suntuosidade dos seus palácios e nos favores que dispensa aos seus amigos.
Usando das suas riquezas dessa maneira, conservar-lhes-á os frutos e deixará
àqueles que lhe sucederem vantagens mais valiosas que os tesouros despendidos
com nobreza.
Cultue devidamente os deuses,
seguindo os exemplos deixados pelos seus ancestrais; creia, no entanto, que o
mais belo sacrifício, a homenagem maior, será mostrar justo e virtuoso. O homem
animado desses nobres sentimentos pode contar com o favor divino, mais do que
aquele que imola muitas vítimas.
7. Honre
os seus parentes mais próximos com funções de prestígio e entregue os empregos
que conferem poder de fato aos seus amigos mais dedicados.
Considere que a sua melhor garantia
de segurança é a virtude dos seus amigos, a boa vontade dos seus concidadãos e
a sua própria sabedoria: com a ajuda desses recursos é que se pode adquirir o
poder e conservá-lo.
Zele pela maneira segundo a qual os
cidadãos administram a própria fortuna; veja aqueles que esbanjam como homens
pródigos da fortuna real e creia que aqueles que se enriquecem pelo próprio
trabalho estão acrescendo os tesouros do rei. A fortuna dos cidadãos faz a
riqueza dos reis que governam sabiamente.
Demonstre, por todos os aspectos da
sua vida, tal respeito pela verdade que as suas palavras inspirem mais
confiança que as juras dos outros homens.
Ofereça a todos os estrangeiros
asilo em sua cidade e faça com que eles encontrem, em todas as transações,
respeito às leis. Prefira, àqueles que lhe trazem presentes, os que desejam
recebê-los de você. Os favores que você fizer aumentarão sua fama.
Expulse o terror do seio do seu
povo e não permita que o inocente seja levado a temer, pois os sentimentos que
você inspirar aos seus concidadãos, você também há de senti-los em relação a
eles.
Não faça nada com cólera, mas
mostre-se irritado quando a ocasião o exigir.
Seja temível por exercer implacável
vigilância; seja indulgente, impondo sempre castigos que ficam aquém das
faltas.
Faça respeitar a sua autoridade,
não pela dureza no comando ou pelo rigor dos suplícios, mas sobrepondo-se aos
outros homens pela sabedoria e deixando-os convictos de que você lhes dá mais
segurança do que teriam por meios próprios.
Prove ser um rei belicoso, pela
ciência da guerra e pelo aparato bélico, demonstre ser um príncipe amigo da
paz, pela sua aversão a qualquer expansão injusta.
Comporte-se com os Estados mais
fracos como gostaria de ser tratado pelos Estados mais poderosos.
Não suscite contestações sobre toda
espécie de assunto; atenha-se àquelas que, se ganhas, podem trazer-lhe alguma
vantagem.
Não olhe com desprezo os que
sucumbem atingindo um resultado útil, mas sim aqueles que obtêm uma vitória
prejudicial aos próprios interesses.
Creia que a grandeza de alma não
está nos homens que empreendem mais do que podem executar, mas naqueles que,
perseguindo com ardor o que é nobre e grande, podem executar o que empreendem.
Não entrem em rivalidade com os
homens que estenderam sua potência aos confins, mas com os que melhor a usam;
creia que será feliz, não mandando a todos os homens em meio a terrores,
perigos e sofrimentos, mas, sendo o que deve ser e atuando como atua hoje,
tendo apenas desejos moderados, sempre coroados de sucesso.
8. Não admita como amigos seus todos aqueles que
desejarem a sua afeição, mas apenas os que são dignos de obtê-la; não aqueles
cuja companhia lhe seja mais agradável, mas sim os que melhor poderão ajuda-lo
a governar o seu país com sabedoria .
Mantenha-se sempre informado sobre
o valor das pessoas que o odeiam, sabendo que os que não podem aproximar-se de
você o julgarão igual aos homens que privam da sua intimidade.
Ao escolher quem deva encarregar-se
de negócios que não administra pessoalmente, nunca perca de vista que você é
quem arcará com a responsabilidade dos seus atos.
Considere os mais fiéis amigos, não
aqueles que aprovam todas as suas palavras e elogiam todas as suas ações, mas
sim os que censuram os seus erros.
Permita que as pessoas sábias
expressem a sua opinião, para ter, nas questões delicadas, conselheiros que
possam proficuamente examiná-las com você.
Saiba distinguir os cortesãos, que
adulam com arte, dos amigos, que servem por devoção, para não dar mais crédito
aos maus do que aos homens virtuosos.
Ouça o que os homens dizem uns dos
outros e procure ter luzes tanto sobre os que falam quanto sobre aqueles de
quem se fala.
Castigue os caluniadores com as
penas em que incorreriam os culpados.
Não tenham menos domínio sobre você
mesmo do que sobre os outros homens; creia que não há nada mais régio do que
libertar-se do jugo das suas paixões e seja ainda mais senhor dos seus desejos
do que dos seus concidadãos.
Não crie vínculos com pessoa ao
acaso e sem reflexão, mas acostume-se a ter prazer nas conversas que aumentam a
sua sabedoria e reputação.
9. Não procure destacar-se nos atos que homens
viciosos podem realizar como você; tenha orgulho da virtude, na qual não podem
ter parte os maus.
Medite que as verdadeiras honras
não residem nas homenagens prestadas publicamente e inspiradas pelo receio, mas
nos sentimentos daqueles que, na intimidade da família, admiram mais a sua
sabedoria do eu a sua fortuna.
Caso você goste de algo frívolo,
oculte essa franqueza ao público mostre-lhe apenas o seu zelo por aquilo que é
nobre e grande.
Não creia que ter uma vida decente
e honesta equivalha a participar de algo vulgar e que viver na desordem seja
privilégio dos reis. Ofereça a regularidade da sua vida como modelo para os
seus concidadãos e não esqueça que os costumes dos povos se formam a partir dos
costumes dos homens que os governam.
Você terá uma prova da sabedoria do
seu governo se vir que as suas diligências garantiram mais riqueza e costumes
mais honestos aos povos sobre os quais reinou.
Prefira deixar aos seus filhos um
nome glorioso do que grandes riquezas. As riquezas são perecíveis, a glória é
imortal. As riquezas podem ser adquiridas pela glória, a glória não se compra
com riquezas. As riquezas são, às vezes, compartilhadas pelos maus, mas a
glória só pode ser adquirida por homens de virtude superior.
Tenha magnificência no vestir e em
tudo que possa contribuir para o brilho da sua personalidade, mas seja simples
e austero no resto dos seus costumes, como convém aos que governam, para que os
que vêem a magnificência à sua volta o creiam digno de reinar, e que os que se
aproximam de você, vendo a força da sua alma, formem a mesma opinião.
Esteja sempre disciplinando as suas
palavras e atos, para cometer o menor número possível de faltas.
O mais importante, nos
negócios, é perceber qual o ponto de que depende o êxito; como esse ponto é
difícil de identificar, é melhor não atingi-lo que passar dele. A verdadeira
sabedoria fica aquém do objetivo, em vez de passar além.
10.
Procure unir a polidez à gravidade. A
gravidade convém à potência soberana; a polidez é o ornamento da sociedade.
Este duplo preceito é, de todos, o mais difícil de observar; quase sempre, os
que afetam gravidade incorrem em frieza, e quem procura ser educado pode
parecer humilde e rasteiro. É preciso, reunindo as duas qualidades que
indicamos, evitar a desvantagem inerente a cada uma delas.
Se quiserem aprofundar
os conhecimentos que convém aos reis, junte a experiência à teoria; a teoria
lhe mostrará o caminho e a experiência lhe permitirá andar com passos firmes
nesse caminho.
Pense nas vicissitudes
e desgraças que afetam os particulares e os reis, as lembranças do passado
reforçarão a sabedoria dos seus conselhos para o futuro.
Fique convicto que,
quando simples particulares aceitam sacrificar a sua vida para serem louvados
após a sua morte, é uma vergonha, para os reis, não terem a coragem de
destacar-se por atos que lhes dêem, vida fama honrosa.
Faça com que as suas
estátuas permaneçam como monumentos à sua virtude, mais do que como lembrança
da sua pessoa.
Antes de tudo,
esforce-se por garantir a sua segurança e a do seu reino; mas, se houver que
enfrentar perigos, prefira morrer com glória a viver na vergonha.
Em todas as suas ações,
lembre que você é rei e tenha todo o cuidado para não fazer nada que seja
indigno dessa posição suprema.
11.
Receie morrer por inteiro e, já que recebeu da natureza um corpo perecível e
uma alma imortal empenhe-se em deixar da sua alma uma lembrança que não morra.
Habitue-se a falar de
costumes e ações honrosas, para nutrir, no seu coração, sentimentos condizentes
com o objeto das suas conversas. Aquelas coisas que lhe parecem melhores quando
está refletindo só, realize-as nas suas ações.
Imite os homens cuja
glória excita a sua emulação.
Os conselhos que você
daria aos seus filhos creiam que é digno você também segui-los.
Faça uso dos preceitos
que lhe ofereço, ou procure achar outros, melhores.
Considerem sábios, não
os homens que empreendem discussões minuciosas sobre temas frívolos, mas os que
tratam com habilidade das questões importantes; não os que prometem a
felicidade aos outros, vivendo na miséria, mas os que, falando com reserva do
que lhes diz respeito, são capazes de tratar utilmente homens e negócios e, sem
nunca serem afetados pelas vicissitudes da vida, sabem passar pela boa e má
fortuna com a mesma nobreza e moderação.
12
E não estranhem haver, nas coisas que eu
lhe disse, muitas já conhecidas de você; este ponto não me escapou. Não estava
eu sem saber que grande número de particulares e príncipes já tinha formulado
partes destas verdades, que outros as tinham ouvido proclamar, outros as tinham
visto sendo aplicadas e outros, ainda, já as estavam aplicando por conta
própria. Mas não é nos discursos destinados a expor regras de conduta que se devem
procurar idéias novas. Nesses discursos, não há lugar para qualquer coisa
paradoxal, ousada, contrária às idéias estabelecidas, e quem é capaz de reunir
o maior número de verdades espassas nos pensamentos dos homens para
apresentá-las da forma mais eloqüente deve ser visto, entre todos os
escritores, como o mais digno de agradar. Tampouco me ignorava que, entre todos
os discursos e escritos, em prosa e verso, os que têm por objetivo oferecer
conselhos são universalmente considerados os mais úteis, por quem os escuta,
porém não os mais agradáveis. Tem-se para com eles o mesmo sentimento reservado
aos homens que se prezam de dar conselhos: todos os louvam, mas ninguém os
procura, e preferimos a companhia dos que compartilham os nossos erros à dos
que nos demovem de cometê-los. Poder-se ia, em apoio do que digo, citar as
poesias de Hesíodo, de Teógnis e de Focilides. Esses grandes homens são
proclamados os melhores conselheiros da vida humana, mas aqueles mesmos que o
declaram preferem gastar o tempo em conversas frívolas a nutrir-se coma as suas
sábias doutrinas. Ainda mais, se alguém escolhesse, nas obras dos maiores
poetas, os trechos trabalhados com mais esmero, e que são chamados de máximas,
essas máximas seriam acolhidas com a mesma disposição, sendo sempre a comédia
mais fútil ouvida com mais prazer do que o são preceitos elaborados com arte
tão perfeita.
13. Aliás, haverá necessidade de deter-nos em cada
objeto? Se quisermos examinar no geral a natureza dos homens, veremos que, em
sua maioria, não se sentem atraídos pelos alimentos mais sadios, nem pelas
ocupações mais nobres, nem pelas melhores ações, nem pelos preceitos mais
úteis; veremos que procuram os prazeres mais contrários aos seus interesses e
consideram modelos de constância e energia homens que só cumprem com alguma
parte dos seus deveres. Como se poderia agradar a semelhantes ouvintes,
dando-lhes conselhos, instruções ou avisos úteis, se, além de tudo o que
dissemos, atormentam os homens sábios com a sua inveja e julgam que os
insensatos são apenas homens simples e abertos? Tão longe da verdade estão eles
que ignoram até os assuntos que lhes dizem respeito; irritam-se quando têm de
tratar quando tem de tratar dos seus próprios interesses; só gostam de discutir
os interesses de outrem e submeteriam o próprio corpo a torturas de todo tipo
antes de exercer o espírito no trabalho e dedicar atenção a alguma coisa
necessária. Reunidos, trocam escárnios e insultos. Se estão sós, você não os
encontrará refletindo, mas afagando desejos quiméricos. Não digo isso de todos
os homens: digo-o daqueles que têm os defeitos que apontamos.
Destarte, é evidente
que os que desejarem escrever, seja em verso ou em prosa, de forma a agradar à
multidão, não devem prender -se
às verdades mais úteis mas, antes, às ficções mais maravilhosas. A multidão
aprecia tais relatos, comove-se vendo lutas e combates. Por isso, devemos
admirar o gênio poético de Homero e dos primeiros inventores da tragédia; tendo
avaliado a natureza humana, deram aos seus relatos as duas formas que acabamos
de citar. Homero representou, nas suas ficções, os combates e as guerras dos
semideuses; os poetas trágicos leram essas mesmas ficções ao cenário, em
relatos e ações, de maneira a tornar-nos ao mesmo tempo ouvintes e
espectadores. Em face de semelhantes exemplos, fica evidente, para aqueles que
desejam encantar os seus ouvintes, que devem cuidadosamente abster-se de dar
avisos ou conselhos, empenhando-se em dizer ou escrever o que acharem mais
próprio para agradar à multidão.
14. Apresentei-lhe este quadro pensando que você,
que não é homem da multidão, mas a governa, não deve ter os mesmos sentimentos
que o vulgo e deve avaliar a relevância das coisas e o valor dos homens pela
sua utilidade, não pelo prazer que possam oferecer. Cheguei a tal opinião,
sobretudo, após reconhecer que os mestres de sabedoria divergiam quanto aos
meios de desenvolver as faculdades da alma, anunciando que tornariam seus
discípulos mais sábios e habilidosos usando ora as discussões da dialética, ora
os discursos políticos, ora outros meios, mas ficando todos de acordo num
ponto: o homem formado por nobre educação deveria ser capaz de tirar, de cada
uma dessas fontes, elementos de sabedoria. Assim que é preciso, para julgar com
certeza, abandonando as coisas controversas, estear-se no que é admitido por
todos e sobretudo, avaliar os homens pelos conselhos que dão em determinadas
circunstâncias ou, pelo menos, pelo que dizem em relação a todos os negócios.
Por fim você deve rechaçar aqueles que, em relação aos assuntos que lhes dizem
respeito, não sabem nada do que é preciso saber: é evidente que aquele que não
pode ser útil a si mesmo nunca ensinará sabedoria a ninguém. Ao contrário,
outorgue a sua estima e apoio aos homens esclarecidos, aos homens cuja visão
alcança além da dos espíritos vulgares, convicto que um sábio conselheiro é o
mais útil, o mais régio de todos os tesouros; por fim, creia que os homens que
lhe oferecerem mais recursos para cultivar a sua inteligência são os que mais
contribuirão para a grandeza do seu reino.
15. Dirigindo-lhe estes conselhos, proporcionados
pelas minhas luzes, honro-o com os meios dos quais disponho. Quanto a você,
como disse no início deste discurso, não permita mais que lhe tragam esses
presentes consagrados pelos hábitos, que você, assim como os outros reis,
compra daqueles que os oferecem muito mais caro do que o faria de quem os
vende, e prefira dádivas que, muito longe de desgastarem-se com o uso que delas
faça, adquiram a cada dia novo valor.
Aos
que gostaram mais ainda e, desejam ler os demais textos do livro, segue o link
de acesso completo ao livro CONSELHO AOS GOVERNANTES.
Boa leitura e, ótimas
reflexões e aprendizado!
Milene Delian