6 de jul. de 2019

PEC 048/2019: Remédio ou Veneno?




Esse quadro é de uma matéria veiculada no último 01/07/2019 pelo Jornal das Dez, na Globo News, onde são elencadas as obras paradas apenas na esfera do Fundo Nacional da Saúde-FNS, o gasto até o momento supera 2,1 bilhões de reais.   São obras iniciadas a partir de 2009 e que, por motivos diversos, estão paradas sendo sucateadas pela ação do tempo, o levantamento foi feito pela associação de membros dos tribunais de contas do Brasil.
Peço atenção especial ao órgão que libera os recursos, o FNS, onde são realizadas transferências Fundo a Fundo, que são menos burocráticas do que as Transferências Voluntárias, por onde são liberadas a maioria das famosas Emendas Parlamentares. Ao liberarmos recursos via FNS não existe uma análise criteriosa de projeto de engenharia, que, ao meu entender, faz muita falta no decorrer do “convênio”, o que ali fazermos é apenas inserir o projeto no site do FNS com a chancela da SUVISA local, a planilha orçamentária normalmente já é padronizada uma vez que as UPA’s e UBS’s possuem um projeto de engenharia padrão, o que altera é a questão da locação e situação, onde a terraplanagem é paga com recursos próprios do tesouro municipal. Enfim, resumidamente, ali inserimos o projeto, momento em que é liberada a primeira parcela de recursos financeiros, inserimos a licitação, no decorrer da obra inserimos os relatórios fotográficos, o recurso da segunda parcela é liberado e a última parcela fica para ser paga ao final da obra, onde temos que inserir um termo de recebimento de obra e o seu relatório fotográfico. Quer procedimento mais “mamão com açúcar” do que esse? Pois bem, ainda assim os números de obras abandonadas no FNS são alarmantes, onde atualmente temos 131 obras inacabadas esparramadas Brasil afora!
E agora eu pergunto: em que a PEC 048/2019 auxiliará de fato o município? Menos burocracia, maior agilidade na liberação dos recursos, atendimento dos interesses diversos dos parlamentares mais rápido? Sim, ela auxiliará em tudo isso! Por outro lado, prestará um enorme DESserviço aos Prefeitos e Governadores, deixando um vácuo perigosíssimo não legislado que poderá leva-lo futuramente a perseguição política, devolução integral de recursos, a prisão e até mesmo dívida ao seu espólio, uma vez que a mesma prevê:
“Art. 166.......................................................................................
§ 20. Os recursos transferidos na forma do § 19 não integrarão a base de cálculo da receita do Estado ou do Distrito Federal para fins de repartição, sendo que:
I – a título de doação:
a) serão repassados, independentemente da celebração de convênio ou instrumento congênere;
§ 21. Os recursos referidos no § 19 terão sua aplicação fiscalizada:
I – quando repassados a título de doação:
a) pelos órgãos de controle interno no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; e
b) pelos Tribunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, junto aos respectivos entes governamentais sob suas jurisdições;
II – quando repassados com finalidade de despesa definida, pelos órgãos de controle interno federais e pelo Tribunal de Contas da União.
(...)”

Analisem bem, se em uma transferência Fundo a Fundo temos os números alarmantes apresentados acima, imaginem o que teremos sem o devido controle do processo? Alguns dirão: ah mas é muito burocrático, a Caixa Econômica Federal trava muito os processos, demora muito a sair o recurso e concluir a obra...sim, vocês estão cobertos de razão! A reclamação geral da nação tem justa causa, mas acredito que o remédio que estão buscando para solucionar o problema, matará vocês a longo prazo!
Querido (a) gestor (a) não adianta tentar fugir do controle do gasto público, isso é utopia e existe pouca probabilidade de ocorrer. Se atualmente as Transferências Legais e Fundo a Fundo são pouco fiscalizadas é porque os órgãos de controle ainda não tiveram “braço” para olhar mais atentamente, mas não se enganem, alterando a modalidade de transferência eles criarão esses “braços”, normatizarão procedimentos e regras e, num universo de 5 a 10 anos começarão a fiscalizar com a mesma veemência que fiscalizam as Transferências Voluntárias, porém, você Prefeito/Governador já não mais estará a frente da gestão e não mais terá como se defender de possíveis acusações/comprovações de desvios.
A exemplo do que falo, temos a própria Transferência Voluntária, instituída pela Instrução Normativa 001/1997, atualmente suas regras são definidas pela Portaria 424/2016. Comecei a atuar na área em 2002/2003 e me recordo que tínhamos pouca fiscalização, as vezes quase nenhuma, raras prestações de contas eram reprovadas, a dinâmica e critérios de análise na época eram outras, até o momento em que os órgãos aprimoraram as ferramentas de fiscalização, capacitaram seus “braços” e, começaram a aplicar o que a legislação determinava.
A partir deste momento começamos a ter uma avalanche de rejeição de prestação de contas e, o pior, não tínhamos mais como alterar aquela situação, uma vez que o recurso já havia sido gasto, não tínhamos como voltar atrás e consertar as falhas processuais, das mais diversas ordens: pagamento de fornecedores fora da vigência do convênio, alteração de objetos sem a aprovação do concedente, aquisição de bens fora da especificação aprovada, pagamento do objeto antes de recebe-lo (e ele acabava nunca chegando), pagamento antecipado de empreiteiros para a realização de obras que eram na sequencia abandonada por estes, enfim, a lista de falhas era gigantesca. Infelizmente, o que restou na maioria dos casos foi deixar o processo seguir para o Tribunal de Contas da União e ali, receber a sentença de devolução integral e corrigida dos recursos financeiros, feita pelo prefeito da época e, em alguns casos, em sistema de corresponsabilização, onde os débitos devidos eram divididos proporcionalmente entre as partes envolvidas.
E o que cito no parágrafo anterior não é diferente do que está acontecendo neste momento com os projetos do FNS que relato no início do texto, se pegarmos para analisar caso a caso, irão aferir que esse rol de lambanças ainda é praticado na maioria dos Estados e Municípios. Vocês podem pensar: mas como ainda fazem essas velhas práticas, como essas “lambanças jurídicas administrativas” ainda acontecem? Simples, pela mais pura falta de capacitação dos atores envolvidos no processo, a legislação correlata a cada liberação de recursos é imensa e, cheia de entendimentos múltiplos, não é uma missão fácil dominar todo esse arcabouço jurídico administrativo.
E este é o caminho para a gestão pública, este é o desafio de vocês prefeitos (as) e governadores (as): capacitar, capacitar e, capacitar novamente a equipe de vocês, tendo isso como uma tarefa contínua na administração! Não existe outra saída, não adianta alterar a legislação para facilitar, desburocratizar os interesses difusos! Pois mais cedo ou mais tarde essa conta chegará para vocês, da mesma forma que os órgãos fiscalizadores criaram, normatizaram e começaram a cumprir as regras nas TV’s o farão com qualquer tipo de transferência de recursos, pois, não há como se driblar o controle do gasto público! O que vocês possuem neste momento, caso persigam a ideia de burlar o controle do gasto público, é a seguinte opção: quero responder judicialmente por esse gasto agora ou daqui a dez anos? Mas não se enganem que, vocês responderão legalmente por tudo que for feito em desacordo com a legislação ali naquela transferência.
Esses dias atrás vi uma notícia em um site jurídico em que os bens do espólio de um ente, avaliados em 8 milhões, havia sido bloqueado para o pagamento de transferências governamentais que tiveram prestações de contas rejeitadas. Observem a palavrinha “espólio”, reflitam! Os descendentes daquele gestor, que nada tinham a ver com a situação, tiveram seus futuros bens bloqueados pela justiça! O convênio foi firmado no ano de 2010 e, só agora em 2019 é que ocorreu a responsabilização do espólio.
Outro lamentável episódio que tivemos em 2017 foi a prisão do deputado federal Celso Jacob, motivo? Rejeição de prestação de contas motivada pela dispensa de licitação em 2002 para construção de uma creche, quando era prefeito de Três Rios (RJ). Reflitam, ele foi preso 15 anos após a análise e rejeição de sua PC, já era um deputado federal e, poderia ter virado papa, astronauta, ministro do STF, Buda, que a responsabilização chegaria até ele de qualquer forma, pois como repito exaustivamente: NÃO HÁ COMO FUGIR DO CONTROLE DO GASTO PÚBLICO!
Mas aí vocês pensam: mas Milene você está nos dizendo que não existe outra saída, que “casamos com a viúva problemática” e seremos eternamente responsabilizados por isso? Sim e não, sim para o fato das dívidas com o erário não prescreverem, sendo assim, serão eternamente responsabilizados por qualquer ato falho e, não para a questão de não ter outra saída. Existe sim outra saída, mas é a mais difícil, demorada, dispendiosa, chegando a ser chata, que é a da capacitação contínua de sua equipe, a de sempre desconfiar de tudo e de todos, a de buscar uma terceira opinião profissional para as demandas, de desconfiar daqueles que “vendem facilidades”, a de checar as referências das pessoas e profissionais que te cercam. Uma vez uma concorrente me disse uma coisa que fiquei assustada, na maior naturalidade me disse que prefeito não entende nada, que são facilmente enganados e que, em suas palavras: “a gente convence eles que o nosso produto é bom e, transformamos uma consultoria ruim em boa”, e infelizmente, hei de concordar com ela, pois é isso o que vejo no mercado nesses 17 anos de atuação: um bando de despreparados que quando nada dá certo na vida, montam consultorias de projetos e vão enganar prefeitos!
Sei que meu discurso não é nada animador, quando escancaro a atuação real da maioria das empresas que estão no mercado, quando digo da necessidade de capacitar, quando afirmo que quase tudo está emperrado por conta de burocracia intensa. Por outro lado, atuo no âmbito da busca de soluções, sempre focada no remédio que nos curará dos desafios que são apresentados, onde procuro a melhor forma de contornar aquela situação com as ferramentas que dispomos.
E o que temos na atualidade que de fato funciona é o sistema de contratos de repasse firmados junto a Caixa Econômica Federal, gostem ou não, é esta forma que dá certo na maioria dos convênios! Obvio que tem enes processos internos deles necessitam ser reformulados, melhorados, diminuídas as exigências, pois na ânsia de auxiliar-nos na execução correta, acabam por exacerbar nas exigências, mas sim meus nobres, é por meio dos contratos de repasse que temos as melhores práticas de execução do gasto do recurso público e, prestações de contas aprovadas com louvor! E não é esse o nosso objetivo? O de gastar bem o recurso e não ter problemas futuros com eles? Pois então entendam que é via CEF que isso se dá! Posso citar várias vantagens em trabalhar com este órgão, dentre elas: ter filiais em quase todos os municípios brasileiros, podendo receber os projetos dos municípios mais longínquos; poder terceirizar engenheiros e outros profissionais de análise, dando mais agilidade aos processos uma vez que os Ministérios não possuem essa disponibilidade (lembro que uma vez a SUDECO tinha apenas 5 engenheiros para analisar os projetos, resultado: todos perdemos os recursos naquele órgão naquele ano); nos auxiliam a não errar no projeto executivo da obra; na licitação errada que é mais comum do que se imagina de acontecer; no pagamento correto das despesas não permitindo que paguemos por algo que não foi entregue e/ou executado; na ágil análise da prestação de contas final e, principalmente, na certeza de ter a aprovação da PC! Essa paz de espirito que a CEF nos dá, não tem preço!
Contrapondo as facilidades da CEF, infelizmente, o órgão foi criando diversas dificuldades ao longo dos anos, onde para conseguirmos pagar um boletim de medição atualmente levamos em média 02 meses (quando feito tudo correto e tendo recurso na conta), algo inadmissível para um empreiteiro que tem funcionários na obra para pagar! Esse tipo de situação gera problemas não só financeiros, mas também políticos aos prefeitos que, acabam respondendo por tabela ao atraso no pagamento. Mas o que leva a essa lentidão? Normalmente na demora em enviar equipe de vistoria e análise dos boletins de medição, e a solução para isso a CEF tem em sua composição e recebe parte de recursos dos convênios para isso: poder aumentar o seu “braço” técnico contratando terceirizados para as ações, implementando prazos internos para as análises, protocolou BM? Sua análise tem que se dar em 02 dias, no máximo, e o envio da vistoria (quando necessário) em 5 dias, geração de possível diligência em até 01 dia após a vistoria! E bingo, de 02 meses para o pagamento, teremos uma redução para 15 dias!
E é esse o papel que cabe ao gestor no caso acima, o de detectar os maiores problemas enfrentados, tipificar e propor soluções como a que trago acima, além de manter sua equipe capacitada, se cercar de profissionais terceirizados responsáveis, experientes e qualificados para as ações, e não de alterar o tipo de transferência para tentar fugir do controle do gasto público! Pois como exemplificado no texto, mais cedo ou mais tarde vocês pagarão a conta!
Atualmente a Confederação Nacional dos Municípios-CNM e várias federações e associações municipais espalhadas Brasil afora promovem várias capacitações em temáticas diversas com profissionais de alto gabarito, até alguns anos atrás não tínhamos essa facilidade na área, aproveite esse momento de profissionalização e inscreva sua equipe em quantas eles ofertarem, só terão a ganhar!
Mas, finalizando, conselho se fosse bom ninguém dava né! Eu escrevo isso tudo é só mesmo para desabafar, para tentar colocar na cabeça de vocês como as coisas funcionam e a melhor solução aos desafios, mas, sei que no final das contas, irão atrás daquele “cabra à toa” que propor uma facilidade em troca de algum interesse né, afinal, são 17 anos falando a mesma coisa e vendo vocês fazerem o contrário e, depois que se lascam por inteiro, virem atrás querendo um milagre para sanar as escolhas erradas que fizeram! Só lamento informar, mas, não fazemos milagres!

Mas a dica está dada, afinal, sigo na utopia de que um dia teremos apenas gestores capacitados e responsáveis neste país, realmente compromissados com o propósito de termos uma sociedade mais justa, igualitária e provida de serviços públicos de qualidade!

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