Esse quadro é de uma matéria veiculada no último 01/07/2019 pelo Jornal
das Dez, na Globo News, onde são elencadas as obras paradas apenas na esfera do
Fundo Nacional da Saúde-FNS, o gasto até o momento supera 2,1 bilhões de
reais. São obras iniciadas a partir de
2009 e que, por motivos diversos, estão paradas sendo sucateadas pela ação do tempo,
o levantamento foi feito pela associação de membros dos tribunais de contas do
Brasil.
Peço atenção especial ao órgão que libera os recursos, o FNS, onde são
realizadas transferências Fundo a Fundo, que são menos burocráticas do que as
Transferências Voluntárias, por onde são liberadas a maioria das famosas
Emendas Parlamentares. Ao liberarmos recursos via FNS não existe uma análise
criteriosa de projeto de engenharia, que, ao meu entender, faz muita falta no
decorrer do “convênio”, o que ali fazermos é apenas inserir o projeto no site
do FNS com a chancela da SUVISA local, a planilha orçamentária normalmente já é
padronizada uma vez que as UPA’s e UBS’s possuem um projeto de engenharia
padrão, o que altera é a questão da locação e situação, onde a terraplanagem é
paga com recursos próprios do tesouro municipal. Enfim, resumidamente, ali
inserimos o projeto, momento em que é liberada a primeira parcela de recursos
financeiros, inserimos a licitação, no decorrer da obra inserimos os relatórios
fotográficos, o recurso da segunda parcela é liberado e a última parcela fica
para ser paga ao final da obra, onde temos que inserir um termo de recebimento
de obra e o seu relatório fotográfico. Quer procedimento mais “mamão com
açúcar” do que esse? Pois bem, ainda assim os números de obras abandonadas no
FNS são alarmantes, onde atualmente temos 131 obras inacabadas esparramadas
Brasil afora!
E agora eu pergunto: em que a PEC 048/2019 auxiliará de fato o município?
Menos burocracia, maior agilidade na liberação dos recursos, atendimento dos
interesses diversos dos parlamentares mais rápido? Sim, ela auxiliará em tudo
isso! Por outro lado, prestará um enorme DESserviço aos Prefeitos e
Governadores, deixando um vácuo perigosíssimo não legislado que poderá leva-lo
futuramente a perseguição política, devolução integral de recursos, a prisão e
até mesmo dívida ao seu espólio, uma vez que a mesma prevê:
“Art.
166.......................................................................................
§ 20. Os recursos
transferidos na forma do § 19 não integrarão a base de cálculo da receita do
Estado ou do Distrito Federal para fins de repartição, sendo que:
I – a título de doação:
a) serão repassados,
independentemente da celebração de convênio ou instrumento congênere;
§ 21. Os recursos referidos
no § 19 terão sua aplicação fiscalizada:
I – quando repassados a
título de doação:
a) pelos órgãos de
controle interno no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; e
b) pelos Tribunais de
Contas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, junto aos respectivos
entes governamentais sob suas jurisdições;
II – quando repassados
com finalidade de despesa definida, pelos órgãos de controle interno federais e
pelo Tribunal de Contas da União.
(...)”
Analisem bem, se em uma transferência Fundo a Fundo temos os números
alarmantes apresentados acima, imaginem o que teremos sem o devido controle do
processo? Alguns dirão: ah mas é muito burocrático, a Caixa Econômica Federal
trava muito os processos, demora muito a sair o recurso e concluir a
obra...sim, vocês estão cobertos de razão! A reclamação geral da nação tem
justa causa, mas acredito que o remédio que estão buscando para solucionar o
problema, matará vocês a longo prazo!
Querido (a) gestor (a) não adianta tentar fugir do controle do gasto público,
isso é utopia e existe pouca probabilidade de ocorrer. Se atualmente as
Transferências Legais e Fundo a Fundo são pouco fiscalizadas é porque os órgãos
de controle ainda não tiveram “braço” para olhar mais atentamente, mas não se
enganem, alterando a modalidade de transferência eles criarão esses “braços”,
normatizarão procedimentos e regras e, num universo de 5 a 10 anos começarão a
fiscalizar com a mesma veemência que fiscalizam as Transferências Voluntárias,
porém, você Prefeito/Governador já não mais estará a frente da gestão e não
mais terá como se defender de possíveis acusações/comprovações de desvios.
A exemplo do que falo, temos a própria Transferência Voluntária,
instituída pela Instrução Normativa 001/1997, atualmente suas regras são definidas
pela Portaria 424/2016. Comecei a atuar na área em 2002/2003 e me recordo que
tínhamos pouca fiscalização, as vezes quase nenhuma, raras prestações de contas
eram reprovadas, a dinâmica e critérios de análise na época eram outras, até o
momento em que os órgãos aprimoraram as ferramentas de fiscalização,
capacitaram seus “braços” e, começaram a aplicar o que a legislação determinava.
A partir deste momento começamos a ter uma avalanche de rejeição de
prestação de contas e, o pior, não tínhamos mais como alterar aquela situação,
uma vez que o recurso já havia sido gasto, não tínhamos como voltar atrás e
consertar as falhas processuais, das mais diversas ordens: pagamento de
fornecedores fora da vigência do convênio, alteração de objetos sem a aprovação
do concedente, aquisição de bens fora da especificação aprovada, pagamento do
objeto antes de recebe-lo (e ele acabava nunca chegando), pagamento antecipado
de empreiteiros para a realização de obras que eram na sequencia abandonada por
estes, enfim, a lista de falhas era gigantesca. Infelizmente, o que restou na
maioria dos casos foi deixar o processo seguir para o Tribunal de Contas da
União e ali, receber a sentença de devolução integral e corrigida dos recursos financeiros,
feita pelo prefeito da época e, em alguns casos, em sistema de
corresponsabilização, onde os débitos devidos eram divididos proporcionalmente
entre as partes envolvidas.
E o que cito no parágrafo anterior não é diferente do que está
acontecendo neste momento com os projetos do FNS que relato no início do texto,
se pegarmos para analisar caso a caso, irão aferir que esse rol de lambanças
ainda é praticado na maioria dos Estados e Municípios. Vocês podem pensar: mas
como ainda fazem essas velhas práticas, como essas “lambanças jurídicas
administrativas” ainda acontecem? Simples, pela mais pura falta de capacitação
dos atores envolvidos no processo, a legislação correlata a cada liberação de
recursos é imensa e, cheia de entendimentos múltiplos, não é uma missão fácil
dominar todo esse arcabouço jurídico administrativo.
E este é o caminho para a gestão pública, este é o desafio de vocês prefeitos
(as) e governadores (as): capacitar, capacitar e, capacitar novamente a equipe
de vocês, tendo isso como uma tarefa contínua na administração! Não existe
outra saída, não adianta alterar a legislação para facilitar, desburocratizar
os interesses difusos! Pois mais cedo ou mais tarde essa conta chegará para
vocês, da mesma forma que os órgãos fiscalizadores criaram, normatizaram e
começaram a cumprir as regras nas TV’s o farão com qualquer tipo de transferência
de recursos, pois, não há como se driblar o controle do gasto público! O que vocês
possuem neste momento, caso persigam a ideia de burlar o controle do gasto
público, é a seguinte opção: quero responder judicialmente por esse gasto agora
ou daqui a dez anos? Mas não se enganem que, vocês responderão legalmente por
tudo que for feito em desacordo com a legislação ali naquela transferência.
Esses dias atrás vi uma notícia em um site jurídico em que os bens do
espólio de um ente, avaliados em 8 milhões, havia sido bloqueado para o pagamento
de transferências governamentais que tiveram prestações de contas rejeitadas.
Observem a palavrinha “espólio”, reflitam! Os descendentes daquele gestor, que
nada tinham a ver com a situação, tiveram seus futuros bens bloqueados pela
justiça! O convênio foi firmado no ano de 2010 e, só agora em 2019 é que
ocorreu a responsabilização do espólio.
Outro lamentável episódio que tivemos em 2017 foi a prisão do deputado
federal Celso Jacob, motivo? Rejeição de prestação de contas motivada pela dispensa
de licitação em 2002 para construção de uma creche, quando era prefeito de Três
Rios (RJ). Reflitam, ele foi preso 15 anos após a análise e rejeição de sua PC,
já era um deputado federal e, poderia ter virado papa, astronauta, ministro do
STF, Buda, que a responsabilização chegaria até ele de qualquer forma, pois
como repito exaustivamente: NÃO HÁ COMO FUGIR DO CONTROLE DO GASTO PÚBLICO!
Mas aí vocês pensam: mas Milene você está nos dizendo que não existe
outra saída, que “casamos com a viúva problemática” e seremos eternamente
responsabilizados por isso? Sim e não, sim para o fato das dívidas com o erário
não prescreverem, sendo assim, serão eternamente responsabilizados por qualquer
ato falho e, não para a questão de não ter outra saída. Existe sim outra saída,
mas é a mais difícil, demorada, dispendiosa, chegando a ser chata, que é a da
capacitação contínua de sua equipe, a de sempre desconfiar de tudo e de todos,
a de buscar uma terceira opinião profissional para as demandas, de desconfiar
daqueles que “vendem facilidades”, a de checar as referências das pessoas e
profissionais que te cercam. Uma vez uma concorrente me disse uma coisa que
fiquei assustada, na maior naturalidade me disse que prefeito não entende nada,
que são facilmente enganados e que, em suas palavras: “a gente convence eles que
o nosso produto é bom e, transformamos uma consultoria ruim em boa”, e
infelizmente, hei de concordar com ela, pois é isso o que vejo no mercado
nesses 17 anos de atuação: um bando de despreparados que quando nada dá certo
na vida, montam consultorias de projetos e vão enganar prefeitos!
Sei que meu discurso não é nada animador, quando escancaro a atuação real
da maioria das empresas que estão no mercado, quando digo da necessidade de
capacitar, quando afirmo que quase tudo está emperrado por conta de burocracia
intensa. Por outro lado, atuo no âmbito da busca de soluções, sempre focada no remédio
que nos curará dos desafios que são apresentados, onde procuro a melhor forma
de contornar aquela situação com as ferramentas que dispomos.
E o que temos na atualidade que de fato funciona é o sistema de contratos
de repasse firmados junto a Caixa Econômica Federal, gostem ou não, é esta
forma que dá certo na maioria dos convênios! Obvio que tem enes processos
internos deles necessitam ser reformulados, melhorados, diminuídas as
exigências, pois na ânsia de auxiliar-nos na execução correta, acabam por exacerbar
nas exigências, mas sim meus nobres, é por meio dos contratos de repasse que
temos as melhores práticas de execução do gasto do recurso público e, prestações
de contas aprovadas com louvor! E não é esse o nosso objetivo? O de gastar bem
o recurso e não ter problemas futuros com eles? Pois então entendam que é via
CEF que isso se dá! Posso citar várias vantagens em trabalhar com este órgão,
dentre elas: ter filiais em quase todos os municípios brasileiros, podendo
receber os projetos dos municípios mais longínquos; poder terceirizar
engenheiros e outros profissionais de análise, dando mais agilidade aos
processos uma vez que os Ministérios não possuem essa disponibilidade (lembro
que uma vez a SUDECO tinha apenas 5 engenheiros para analisar os projetos,
resultado: todos perdemos os recursos naquele órgão naquele ano); nos auxiliam
a não errar no projeto executivo da obra; na licitação errada que é mais comum
do que se imagina de acontecer; no pagamento correto das despesas não
permitindo que paguemos por algo que não foi entregue e/ou executado; na ágil
análise da prestação de contas final e, principalmente, na certeza de ter a
aprovação da PC! Essa paz de espirito que a CEF nos dá, não tem preço!
Contrapondo as facilidades da CEF, infelizmente, o órgão foi criando diversas
dificuldades ao longo dos anos, onde para conseguirmos pagar um boletim de
medição atualmente levamos em média 02 meses (quando feito tudo correto e tendo
recurso na conta), algo inadmissível para um empreiteiro que tem funcionários na
obra para pagar! Esse tipo de situação gera problemas não só financeiros, mas
também políticos aos prefeitos que, acabam respondendo por tabela ao atraso no pagamento.
Mas o que leva a essa lentidão? Normalmente na demora em enviar equipe de
vistoria e análise dos boletins de medição, e a solução para isso a CEF tem em
sua composição e recebe parte de recursos dos convênios para isso: poder
aumentar o seu “braço” técnico contratando terceirizados para as ações,
implementando prazos internos para as análises, protocolou BM? Sua análise tem
que se dar em 02 dias, no máximo, e o envio da vistoria (quando necessário) em
5 dias, geração de possível diligência em até 01 dia após a vistoria! E bingo,
de 02 meses para o pagamento, teremos uma redução para 15 dias!
E é esse o papel que cabe ao gestor no caso acima, o de detectar os
maiores problemas enfrentados, tipificar e propor soluções como a que trago
acima, além de manter sua equipe capacitada, se cercar de profissionais terceirizados
responsáveis, experientes e qualificados para as ações, e não de alterar o tipo
de transferência para tentar fugir do controle do gasto público! Pois como
exemplificado no texto, mais cedo ou mais tarde vocês pagarão a conta!
Atualmente a Confederação Nacional dos Municípios-CNM e várias federações
e associações municipais espalhadas Brasil afora promovem várias capacitações
em temáticas diversas com profissionais de alto gabarito, até alguns anos atrás
não tínhamos essa facilidade na área, aproveite esse momento de
profissionalização e inscreva sua equipe em quantas eles ofertarem, só terão a
ganhar!
Mas, finalizando, conselho se fosse bom ninguém dava né! Eu escrevo isso
tudo é só mesmo para desabafar, para tentar colocar na cabeça de vocês como as
coisas funcionam e a melhor solução aos desafios, mas, sei que no final das
contas, irão atrás daquele “cabra à toa” que propor uma facilidade em troca de
algum interesse né, afinal, são 17 anos falando a mesma coisa e vendo vocês
fazerem o contrário e, depois que se lascam por inteiro, virem atrás querendo
um milagre para sanar as escolhas erradas que fizeram! Só lamento informar,
mas, não fazemos milagres!
Mas a dica está dada, afinal, sigo na utopia de que um dia teremos apenas
gestores capacitados e responsáveis neste país, realmente compromissados com o
propósito de termos uma sociedade mais justa, igualitária e provida de serviços
públicos de qualidade!
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