Bem quero
hoje explanar, com bastante propriedade, sobre o ofício de elaboração de
projetos objetivando a alocação de recursos federais. Creio que a minha empresa
foi uma das primeiras, se não a primeira, empresa do país a realizar a
atividade de alocação de recursos de forma lícita! Comecei esta atividade em
2003 com contratos firmados com entes públicos e recebimentos mensais com envio
de notas fiscais, para firmar tais contratos meu contrato social foi completamente adequado à atividade, constando
explicitamente nele: consultoria e assessoria em alocação de recursos
financeiros Federais, Estaduais e outros.
Até então o
que eu havia observado é que existiam no mercado pessoas físicas se aventurando
a liberar recursos federais, sem para tanto ter o devido conhecimento técnico
que a área exige, resumindo: pessoas que tinham acesso a outras pessoas dentro
dos órgãos que liberavam o dinheiro...ou não né! Ou empresas de contabilidade
pública, assessoria jurídica, engenharia, arquitetura, representante de
equipamentos hospitalares, medicamentos, tudo quanto é finalidade nos contratos
sociais, menos a da atividade fim que realizavam. Muitas vezes só cobravam
percentuais com antecedência do gestor e posteriormente sumiam (risos)...o mal
feito sai caro!
Enfim,
apaixonada que sou no planejamento urbano acabei sendo conduzida para esta
área, e desde o início tinha comigo algo muito bem definido: não quero atuar
como lobista (digo no sentido estigmatizado que esta terminologia adquiriu no
Brasil), não quero receber percentuais em cima do êxito (pois a legislação não
permite), não quero me enfiar no meio de “rolos”, ou seja, trabalharei de forma
lícita e honesta. E assim iniciei as minhas atividades junto a Cenarium Consultoria
em 2003.
Neste tempo
já vi a legislação mudar inúmeras vezes, a forma de elaborar os projetos e os
sistemas diversos instituídos ou extintos, resumindo: nada é uma constante
nesta área, e quem atua na mesma tem que estar apto a essas mudanças! De 2008
para cá tivemos o advento do SICONV, o atual sistema do Governo Federal onde
são cadastradas as propostas de interesse de entes Municipais, Estaduais e
Associações (ONG, OS, OSCIP, Fundações, etc.), é importante salientar que, não
é o fato de ter uma proposta ali cadastrada que o recurso será liberado, esta é
apenas uma das etapas no processo de liberação de recursos.
Aos que não
sabem, a motivação do Governo Federal para a implantação do SICONV não foi dar
mais transparência, ou porque o Governo estava muito preocupado com a forma
como os recursos eram repassados, mas sim o Acórdão do TCU nº 2066/2006:
"9.1.
determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que, para possibilitar a transparência que deve
ser dada às ações públicas, como forma de viabilizar o controle social e a
bem do princípio da publicidade insculpido no art. 37 da Constituição Federal
de 1988 c/c o art. 5º, inciso XXXIII, da mesma Carta Magna, no prazo de 180 (cento e oitenta dias),
apresente a este Tribunal estudo técnico para implementação de sistema de informática em plataforma web que permita o
acompanhamento on-line de todos os convênios e outros instrumentos jurídicos
utilizados para transferir recursos federais a outros órgãos/entidades,
entes federados e entidades do setor privado, que possa ser acessado por qualquer cidadão via rede mundial de computadores,
contendo informações relativas aos instrumentos celebrados, especialmente os
dados da entidade convenente, [.....], a
execução financeira com as despesas executadas discriminadas analiticamente
por fornecedor e formulário destinado à coleta de denúncias;"
E assim tivemos o Decreto nº 6.170, de 25
de julho de 2007 que instituiu o SICONV, na prática começamos a lançar as
propostas de convênios e contratos de repasse no sistema apenas em 2008, pois a
maioria dos Ministérios e seus órgãos, assim como a Caixa Econômica Federal
(Mandatária da União em vários processos) tinham verdadeira resistência ao
sistema. Em função desta “resistência” a minha empresa adotou a seguinte
prática no ano de 2007: lançamos todos os projetos no SICONV de julho em diante
e, continuamos enviado as propostas/planos de trabalho impressas aos
concedentes, que foi o que eles aprovaram no final das contas, praticamente não
adotaram o SICONV. Caso tenham alguma curiosidade sobre essa situação, basta
consultarem as propostas de 2007 e 2008 no acesso livre do sistema, quase todas
estarão com: Legado SIAFI, ou seja, foi tudo feito no papel e posteriormente,
transferiram para o SICONV.
Outra
curiosidade sobre o sistema é a questão das prestações de contas e pagamentos,
apesar da legislação deixar claro que tudo de todas as transferências
voluntárias deveria ser feito via SICONV, os órgãos continuaram relutantes. Exemplificando,
a CEF só passou a aceitar as prestações de contas no SICONV a partir de 2013,
até então eram encaminhadas por meio físico (impressas) para a mandatária da
União, desta forma não era possível aferir em tempo real a execução
físico-financeira do contrato de repasse, mas não adiantava ir contra o que
exigiam. Já os pagamentos começaram a ser feitos em 2014, se não me engano, o
que acontecia antes era apenas o fato de lançarmos no sistema o comprovante do
pagamento já feito pela mandatária da união.
Como podem
observar o SICONV sofreu “mutações” desde a sua implantação, que visam garantir
maior transparência e controle por parte da população, é uma pena que esta por
sua vez não se interesse no sistema, pois é uma forma poderosa de acompanhar,
controlar e denunciar (se for o caso) os recursos que o seu Município recebe.
Quero esclarecer aos possíveis “Doutores SICONV” que por ventura estejam lendo
esta publicação, que não me aterei as questões detalhadas do sistema, nem as
legislações que alteraram o mesmo, estou apenas explanando de uma forma bem
simplicista e rápida, até porque o SICONV É APENAS UMA DAS FERRAMENTAS NA BUSCA
DE RECURSOS FEDERAIS.
Mas, voltando
a questão da elaboração de projetos, fato é que ao longo desses anos foram
desenvolvidos vários sistemas distintos e complementares, os quais a pessoa que
realiza a parte técnica de gestão transferências voluntárias de um Município
e/ou Estado deve dominar com maestria, pois trabalhará em algum momento neles,
cito alguns:
1. FNDE
– SIMEC Módulo PAR;
2. FNDE
– SIMEC Módulo Obras 2.0;
3. FNDE
– SIMEC Módulo Emendas;
4. FNDE
– SIMEC Módulo Proinfância;
5. FNDE
– SIGPC;
6. FNDE
– SIGARP;
7. FUNASA
– SIGA;
8. FUNASA
– SIGOB;
9. FUNASA
– SISCON;
10. Assistência
Social – SUASWEB;
11. Tesouro
Nacional – SICONF;
12. FNS –
SARGSUS;
13. FNS – SIOPS;
14. FNS –
SISMOB;
15. FNS –
GERENCIAMENTO DE OBJETOS;
16. FNS –
SIGEM;
17. Ministério
do Esporte – PST
18. Secretaria
de Direitos Humanos SDH/PR – SIGSDH
19. SICONV
A elaboração
de projetos vai muito além de saber trabalhar nos sistemas diversos que o Governo
Federal tem, é necessário ter uma visão sistêmica de cada processo, ou seja, é
necessário no mínimo:
1. Mapear
o PPA do Governo Federal;
2. Analisar
sistematicamente a LDO do Governo Federal;
3. Mapear
a LOA do Governo Federal;
4. Compatibilizar
a LOA Municipal com a LOA Federal;
5. Saber
a hora de instruir o(a) prefeito(a) a
fazer gestão do recurso;
6. Instruir
a forma adequada de fazer essa gestão;
7. Saber
o trâmite do processo dentro do órgão concedente;
8. Conhecer
todos os documentos necessários aprovação do projeto;
9. Auxiliar
no planejamento adequado do objeto, como em seu cronograma;
10. Gerenciar
a equipe multidisciplinar envolvida no projeto;
11. Acompanhar
a aprovação dos projetos de engenharia dentro dos órgãos, realizando o
atendimento de diligências. O comum em caso de obras é que esta fase dure
aproximadamente 08 (oito) meses;
12. Instruir o
momento de realizar o certame licitatório, sendo necessário as vezes pedir para
que esse procedimento seja refeito, uma vez detectada alguma incoerência ou
falha;
13. Instruir a
gestão necessária para que o recurso seja pago pelo Governo Federal, bem como
sua aplicação financeira;
14. Acompanhar
a execução do objeto, realizando intervenções quando necessário: boletim de
medição errado; execução da obra em endereço diferente do informado ao órgão
concedente, etc.;
15. Realizar a
prestação de contas(PC) do projeto;
16. Atender
diligências de prestação de contas;
17. Entrar com
possível defesa administrativa, caso a prestação de contas seja reprovada;
18. Acompanhar
até o momento da aprovação final da prestação de contas, orientando ao ente o
arquivamento de 10 anos do processo após a aprovação da PC.
E para
conseguir cumprir o mínimo listado acima é necessário ter algum conhecimento
sobre: administração; direito administrativo; direito constitucional;
engenharia; contabilidade; assistência social; planejamento urbano; gestão
hospitalar; pedagogia; agronomia; TI; etc.. Por isso é que é tão difícil formar
essa mão de obra, pois ela tem que ser sistêmica e especialista ao mesmo tempo,
é algo que só se adquire com muita experiência e conhecimentos específicos. Vejo
atualmente vários cursos com interfaces bonitinhas e bem trabalhadas no
marketing, oferecendo capacitação em elaboração de projetos, são louváveis
essas iniciativas, mas creio deveriam informar que ensinarão apenas a mexer em
sistemas do governo, que mudam constantemente. É muito complicado uma pessoa
assimilar tudo o que é dito nestes cursos, alguns são realmente bons com
competentes instrutores, porém, uma semana é um prazo muito curto para tamanho
conteúdo. Já conheci diversas pessoas que fizeram esses cursos e não assimilaram
absolutamente nada! O pior de tudo é que o(a) prefeito(a) acredita que esta
pessoa está capacitada para gerenciar todo esse arcabouço de competências!
Diferente de
um funcionário de um órgão do Governo Federal que ao começar a trabalhar na
estrutura tem ali outros funcionários departamentalizados, onde cada área trata
de um assunto específico, além de servidores mais velhos no cargo/função que o
auxiliarão a executar suas novas tarefas, em uma Prefeitura pequena ou média
não se encontra essa facilidade.
Em meu
escritório demoro aproximadamente 03 (três) anos para formar minha mão de obra
na área de projetos, sempre a que tenho mais carinho, justamente por ser tão
lento formar uma profissional competente. Ao longo desses anos, já deve ter
passado em meu departamento de projetos mais de 20 profissionais, e destas,
apenas 03 realmente ficaram plenamente formadas! As demais só conseguiam
trabalhar mediante severo monitoramento, em tarefas prontas, é assim que chamo:
trabalhavam em “modo automático” (risos), uma vez que tenho todos os
procedimentos descritos, bem como modelos de absolutamente tudo o que é
solicitado ao longo do processo. E mesmo com monitoramento constante, algumas
já quase me fizeram perder algumas fortunas de alguns clientes, toda atenção é
pouca nesta área, são muitas minucias em cada procedimento.
Quanto aos desastres
provocados pela inexperiência na hora de elaborar um projeto, e posteriormente acompanha-lo,
creio que a CGU e o TCU estão repletos destes exemplos, basta acompanharem
alguns Acórdãos TCU ou os relatórios da CGU, é realmente algo magnânimo!
Confesso que tem algumas coisas que fico me perguntando: como conseguiram essa
proeza?
Brincadeiras
a parte, é muito importante que o(a) Prefeito(a) tenha plena consciência de que
a única pessoal que será penalizada legalmente por eventuais falhas será ele(a)
mesmo, quem elaborou e acompanhou o projeto provavelmente não será responsabilizado
solidariamente. E essa responsabilização vai desde aplicação de multas, solicitação
de devolução integral e corrigida dos recursos, até casos de detenção! Então,
fiquem atentos a esses profissionais!
Ainda sobre
os desastres na elaboração de projetos, sugiro que as pessoas que atuam na área
leiam os relatórios da CGU, bem como os Acórdãos do TCU, que são verdadeiras
aulas do que pode e do que não pode ser feito! E principalmente, trazem
situações inusitadas que não acreditamos ser possível ocorrer em um projeto,
mas acabam por acontecer. Nada como aprender com as falhas alheias!
Para acessar
os relatórios da CGU acesse o link:
Selecione como linha de atuação: Avaliação
da execução de programas de governo/Relatório de fiscalização em municípios.
Aqui exponho 05 relatórios aleatoriamente escolhidos, apenas para que tenham
noção do nível de detalhamento em que os mesmos são elaborados.
A) APONTAMENTOS do relatório feito no Município de Nossa Senhora do Livramento/MT:
1. Com relação ao cumprimento da Lei nº
9.452/97, a Prefeitura Municipal, por meio do Ofício GP nº 207, de 14 de agosto
de 2015, informou que não notifica os partidos políticos;
2. Na área da Saúde, a fiscalização
identificou: que houve transferências indevidas de recursos da conta específica
da Atenção Básica para contas da Prefeitura, situação que impossibilitou o
reconhecimento do nexo de causalidade entre as ações executadas no âmbito da
Atenção Básica e os recursos federais transferidos ao Município;
3. Que os recursos da Atenção Básica não
são geridos exclusivamente pela Secretaria Municipal de Saúde;
4. Que a contrapartida Estadual do
Componente Básico da Assistência Farmacêutica não está respeitando a pactuação
tripartite;
5. Que a obra para implantação do
sistema de esgotamento sanitário no Município (objeto do Convênio Funasa nº
034/2009) está paralisada e com parte dos serviços executados deteriorando-se
por falta de uso e de conservação adequada; execução da obra para implantação
do sistema de tratamento de esgoto com sobrepreço, acarretando superfaturamento
e o consequente prejuízo no montante de R$ 83.200,43.
6. Na área da Educação, a fiscalização
identificou: inadequações estruturais nas escolas;
7. inexistência de profissional
nutricionista vinculado à Entidade Executora para o exercício das ações do
PNAE.
8. Na área do Desenvolvimento Social, a
fiscalização identificou: estrutura do espaço físico inadequada para a
quantidade de atendimento dos usuários do SCFV;
9. Uso indevido de dispensa de licitação
para a contratação de pessoal para atender as necessidades do Serviço de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos.
10. Ausência de detalhamento da
composição do BDI nos orçamentos estimativos das obras para a implantação do
sistema de tratamento de esgoto objeto da Concorrência nº 001/2010, assim como
na proposta da empresa contratada.
11. Utilização de mesmo BDI para
aquisição de materiais e equipamentos.
12. Execução da obra em desacordo com o
cronograma físico-financeiro estabelecido no edital e na proposta da empresa.
13. Exigências restritivas ao caráter
competitivo da licitação no edital da Concorrência Pública nº 001/2010.
14. Cobrança de taxa de aquisição de
edital, no valor de R$ 500,00, superior ao custo efetivo de reprodução gráfica.
15. Vedação em edital de licitação de
participação de consórcios sem a devida motivação.
16. Falhas na elaboração do edital da
Concorrência Pública nº 001/2010, em especial a falta de definição de critério
de aceitabilidade de preços unitários.
17. Ausência de publicação do aviso do
edital da Concorrência nº 001/2010 em jornal de grande circulação.
18. Ausência de parecer da assessoria
jurídica da administração relativamente à minuta do edital da licitação e à
minuta do contrato.
19. Falta de orçamento detalhado em
planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários.
20. Ausência de cláusula obrigando o
contratado a manter todas as condições de habilitação e qualificação exigidas
na licitação.
21. Ausência de comprovação da
publicação resumida do contrato e seus respectivos aditamentos na imprensa
oficial.
22. Pagamento antecipado no montante de
R$ 200.000,00.
23. Fragilidades nos controles
internos relativos à gestão de transferências voluntárias.
24. Deficiências na formalização dos
procedimentos (manuais e/ou rotinas).
25. Deficiências nos controles
gerenciais/acompanhamento das atividades.
Nossa, chega! Eu estava disposta a
elencar resumidamente os apontamentos feitos pela CGU em 05 Prefeituras, mas
depois desta listinha aí em cima de um só município de pequeno porte, desisto! Mas
caso queiram analisar e estudar as falhas apontadas pela CGU com maior
detalhamento basta acessarem os links abaixo.
Alguns desastre na elaboração e execução
de projetos:
Parabéns Milene pela sua colocação em relação as dificuldades nesta atividade aprendidas com a experiência que adquiriu ao longo de anos. Bem, para definir tudo isso eu gostaria de compartilhar uma palavra que aprendi desde o momento que comecei a atuar nesta área, é "resiliência". Destaco aqui os curtos prazos para atendimento das diligência relacionados aos projetos, bem como a burocracia que o Governo Federal apresenta para que um Convênio, Contrato de Repasse ou qualquer proposta com outra denominação, venha a ser aprovada. Claro que varia de Ministério para Ministério. Ah e mesmo com a criação do Siconv existe ainda grande resistência por parte desses Orgãos para utiliza-lo, além de que, cada um cria uma legislação própria para regularizar, acompanhar e fiscalizar esses projetos.
ResponderExcluirObrigada Priscylla!...e resiliência realmente é fundamental nesta área!
ExcluirParabéns mesmo, você tem a capacidade de tornar o complexo compreensível.
ResponderExcluirObrigada Gabriel!...o importante é entender né!..rsrsrs
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